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O FERRO

O ferro, amplamente usado na indústria e conhecido desde a Antiguidade, é um nutriente essencial para todos os organismos vivos. Sem proteínas que contêm ferro, não conseguiríamos absorver o oxigênio da atmosfera, a respiração celular seria bloqueada e todo o metabolismo cessaria. Este artigo vai abordar a questão da distribuição do ferro no corpo e as doenças que a sua falta ou o seu excesso podem causar, começando por mostrar como esse importante elemento químico entra na cadeia alimentar. O ferro, portanto, vale “ouro” para a vida.

 

Apesar de ser abundante na natureza,ele não pode ser absorvido na forma em que se encontra. Isso porque, em nosso planeta, onde os oceanos têm uma grande quantidade de sais dissolvidos e a atmosfera é composta de 20% de oxigênio, todo o ferro está na sua forma mais oxidada, mais “enferrujada”, que é o íon férrico (Fe3+). Essa forma de ferro é caracterizada pela formação de minerais como óxidos ou hidróxidos muito pouco solúveis. Já o íon ferroso (Fe2+) tende a formar compostos mais solúveis. Entretanto, em um ambiente oxigenado ele não é estável, e se converte para a forma férrica.

 

Os organismos tiveram, portanto, que aprender a lidar com a dificuldade de extrair o ferro do ambiente. Literalmente, tiveram que desenvolver estratégias para “dissolver pedras” e poder assimilar o precioso metal dos seus minerais.

 

Organismos inferiores, como as bactérias, desenvolveram um arsenal de diferentes substâncias químicas conhecidas como sideróforos (transportadores de ferro). Exemplos dessas substâncias são a enterobactina e a desferrioxamina, mostradas nas imagens abaixo. Tais moléculas têm a capacidade de formar compostos solúveis e extremamente estáveis com o Fe3+, mais estáveis do que as estruturas minerais onde eles se encontram naturalmente.

 

 

 

Figuras: Fórmulas estruturais de dois sideróforos

 
  
Plantas gramíneas como o milho, o arroz e a cevada também produzem sideróforos, no caso chamados fitossideróforos, como a nicotianamina e o ácido mugineico, mostrados nas figuras abaixo. Essas substâncias são expelidas raízes das plantas e vão “dissolvendo” o mineral do solo diretamente em contato com elas.
 
  

 

Figuras: Fórmulas estruturais de dois fitossideróforos

 

 

Sejam bacterianos ou de plantas, os sideróforos são, portanto, substâncias importantes para trazer o ferro para dentro da cadeia alimentar.

 

Existe uma outra estratégia para a absorção de ferro do ambiente, que é usada pelas plantas que não produzem fitossideróforos. Nas suas raízes, elas possuem proteínas que são capazes de converter íons férricos (Fe3+) em íons ferrosos (Fe2+), que são prontamente assimilados.

 

 

O ferro no organismo

 

Um adulto humano normal apresenta de 1,7 g (mulheres) a 2,4 g (homens) de ferro, estocado em diversos compartimentos biológicos. Cerca de 65% desse total integram a hemoglobina, que é a proteína de transporte de oxigênio (veja a Figura 3), presente nos glóbulos vermelhos do sangue. Uma molécula de hemoglobina tem quatro íons de ferro, cada um deles acondicionado em grupos chamados heme. Esses grupos têm por característica atrair as moléculas de oxigênio captadas nos pulmões.

 

Uma vez “carregada” com oxigênio, a hemoglobina é transportada pela circulação até chegar às células, onde transfere sua carga de oxigênio para uma proteína menor, parecida com ela, chamada mioglobina.

 

A mioglobina é também uma proteína que utiliza o ferro, neste caso, para receber o oxigênio vindo da hemoglobina. Após um período de aproximadamente 2 meses, os glóbulos vermelhos ficam velhos e são reciclados pelo próprio organismo, sendo que o ferro que deles se extrai é utilizado para a produção de novos glóbulos vermelhos.

 

Estrutura simplificada da hemoglobina e fórmula estrutural do grupo heme que contém o íon Fe²+

 

O ferro é um elemento tão importante para a vida que o corpo humano não criou um mecanismo para eliminar eventuais excessos. Uma pessoa normal controla o balanço de ferro no momento da absorção: se seu organismo precisa desse elemento, ele é absorvido. Se não necessita, ele não chega a ser assimilado. Podemos perder ferro através da descamação da pele e da mucosa intestinal, sudorese, sangramentos ocasionais e, nas mulheres, pela menstruação. É por isso que devemos obtê-lo por meio da alimentação, sendo recomendada a dose diária de 18 miligramas desse elemento. Esse valor é uma média, ou seja, ele pode ser maior ou menor para uma determinada pessoa, dependendo do seu estado de saúde, da sua idade e até mesmo do seu estilo de vida.

 

Ao contrário de algumas plantas e das bactérias, o corpo humano não produz sideróforos, portanto, não pode “dissolver pedras” como fazem esses organismos. O corpo também não tem o poder de absorver o ferro diretamente do solo com eficiência. O ferro que absorvemos mais facilmente vem da dieta, sendo os alimentos ricos desse metal as carnes vermelhas, o peixe, a lentilha, o feijão, o espinafre e o frango. A forma química do ferro nesses alimentos, porém, pode variar muito, o que vai interferir com a sua absorção: o ferro de alimentos de origem animal é mais facilmente assimilável do que o de origem vegetal. Isso não significa, contudo, que os vegetarianos terão necessariamente problemas para manter um nível adequado de ferro no organismo.

 

É interessante destacar que, num organismo saudável, o ferro se encontra protegido sob formas químicas muito estáveis, sem traços desse elemento “livre”. Isso é muito importante, pois sendo o ferro tão cobiçado por diversos organismos, nosso corpo poderia ser infectado por muitos parasitas que se aproveitariam desse elemento caso ele não estivesse bem “acondicionado”, transformando nosso sangue em uma espécie de “caldo de cultura” para eles.

 

Existe no sangue uma proteína destinada a transportar o ferro desde o intestino até as células que dele necessitem, chamada transferrina. Poderia se pensar na transferrina como um “carro forte” que leva o metal precioso da sua fonte até o seu destino, sem permitir que ele seja perdido pelo caminho.

 

  

Doenças causadas pela falta de ferro

 

Existem diversos motivos pelos quais o organismo pode apresentar deficiência de ferro. Por exemplo, uma demanda aumentada pelo elemento (não suprida pela dieta), que tipicamente pode ocorrer durante o crescimento ou a gravidez, perdas grandes por sangramentos ou pela incapacidade do organismo de absorver ferro devido a problemas na mucosa intestinal.

  
A anemia ferropriva é uma forma comum de anemia provocada pela baixa ingestão de ferro, de tal forma que a hemoglobina não pode ser produzida. Essa forma de anemia é uma das principais desordens nutricionais do mundo moderno, afetando cerca de 37% da população mundial. Em algumas regiões do Brasil estima-se que até cerca de 80% das crianças apresentam esse problema, normalmente devido à falta de acesso a alimentos como carnes e peixes, concomitante ao consumo, às vezes exclusivo, de alimentos que contém ferro, mas em uma forma não muito acessível para o corpo (como grãos e vegetais). É por isso que não só no Brasil, mas em muitas partes do mundo, alimentos de uso comum, como as farinhas, são, por lei, fortificados com ferro (cerca de 4 miligramas por 100 gramas de farinha).

 

 

 

Doenças causadas pelo excesso de ferro

 

Um problema menos comum, mas importante, ocorre quando o ferro se encontra em excesso no organismo. A sobrecarga de ferro é uma condição clínica que se instala quando o organismo contém mais ferro do que necessita, ultrapassando a capacidade da transferrina sanguínea e ficando em formas químicas mais reativas. A sobrecarga de ferro pode ser diagnosticada tanto no sangue quanto nas células de alguns tecidos, como fígado, coração e cérebro.

 

A sobrecarga de ferro pode ser consequência de enfermidades, como a talassemia e a hemocromatose hereditária. A talassemia é uma doença genética que provoca a má-formação de hemoglobina e de glóbulos vermelhos, que são reprocessados pelo corpo muito mais rapidamente do que deveriam, e o ferro que sai desse processo não é prontamente reabsorvido em outros compartimentos do corpo. Podem ocorrer diferentes graus dessa anomalia, por isso os sintomas podem ir de um leve cansaço a problemas cardíacos sérios. Os portadores dessa doença tendem a ter a pele e/ou o globo ocular amarelados. Existem determinadas populações que apresentam maior frequência das mutações que provocam as talassemias, como os habitantes do norte e do leste da África, sul da Europa, Índia e sudeste asiático. No Brasil, é relativamente frequente entre negros e mulatos, pois seus ancestrais vieram de regiões da África onde essa mutação ocorria com frequência.

 

A hemocromatose hereditária é também uma doença de fundo genético, mas caracterizada pela disfunção nos mecanismos que controlam a absorção de ferro pelas células. Nos portadores dessa doença, o organismo não consegue parar de absorver o ferro da dieta, fazendo com que o elemento seja depositado no fígado, no pâncreas e no coração. A doença pode causar cirrose, câncer de fígado, insuficiência cardíaca e diabetes. A hemocromatose afeta principalmente a população caucasiana.

 

Além dessas duas doenças, a sobrecarga de ferro pode ser um efeito colateral de um regime de transfusão de sangue prolongado, pois cada bolsa de sangue contém cerca de 200 miligramas de ferro livre.

 

Como citado, o organismo não tem como eliminar o excesso de ferro, talvez até por uma estratégia de sobrevivência (sendo tão precioso, não há sentido evolutivo em desenvolver um meio de se livrar dele). Então, nos pacientes sobrecarregados, todo o ferro que se encontra fora dos compartimentos bioquímicos corretos (como por exemplo, ligado à transferrina ou à hemoglobina) pode ser disputado por outros organismos, e aí existe a chance de ocorrer infecções generalizadas.

 

É relativamente simples administrar a sobrecarga de ferro no organismo. O tratamento depende da condição clínica que originou a sobrecarga e pode ser aplicado pela combinação de métodos que envolvem a coleta de sangue, o controle no consumo de alimentos ricos em ferro ou a terapia de quelação.

 

A terapia de quelação é o tratamento do paciente com moléculas ou seus ânions que tenham grande afinidade por metais (conhecidas como quelantes) e que formam compostos inertes que são excretados. A terapia de quelação não é usada apenas para tratar sobrecarga de ferro, mas pode ser aplicada para qualquer tipo de intoxicação por metais, como mercúrio, chumbo, cobre e cádmio.

  
O primeiro quelante usado em terapia de quelação de ferro foi um sideróforo bacteriano, a desferrioxamina, conhecida pelo nome de Desferal®. Ela não é ativa quando administrada por via oral, e é rapidamente excretada pelo organismo, tendo, portanto, que ser administrada por longas infusões intravenosas. Há outros dois quelantes sintéticos ativos por via oral: a deferiprona (Ferriprox®) e o deferasirox (Exjade®), cuja fórmulas químicas são mostradas abaixo.

 

deferiprona (Ferriprox®)

 

deferasirox (Exjade®)

 

Fórmulas estruturais de dois quelantes sintéticos empregados na terapia de quelação de sobrecarga de ferro

 

 

Considerações finais

 

O ferro é um elemento abundante e de grande importância biológica, embora seja pouco disponível para os microrganismos, que tiveram que desenvolver estratégias químicas sofisticadas para deixá-lo na forma adequada para ser metabolizado. O corpo humano capta ferro por meio da alimentação e o estoca em compartimentos químicos bem definidos para impedir a infestação por organismos competidores, e para bloquear a formação de espécies reativas de oxigênio. Problemas no metabolismo de ferro podem incluir sua falta (anemia ferropriva) ou excesso (sobrecarga de ferro). Enquanto o primeiro problema é facilmente corrigido através de uma alimentação adequada, o segundo requer o tratamento com substâncias que removam o ferro do corpo, conhecidas por quelantes.

 


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Ferro – Um elemento de “transição”

 

O ferro é o elemento de número atômico 26 com a seguinte distribuição eletrônica: 1s22s22p63s23p63d64s2. Por ter um orbital d não completamente preenchido (ou seja, com menos de 10 elétrons), o ferro é um dos elementos de transição. O termo “elemento de transição” foi usado pela primeira vez no início do século 20, e refere-se às propriedades químicas que vão gradualmente mudando pela ocupação sucessiva dos elétrons dos orbitais d desses elementos da esquerda para a direita na Tabela Periódica. (Figura 5).

 
A ocupação parcial da subcamada d faz com que os elementos de transição tenham propriedades semelhantes. Por exemplo, eles formam compostos coloridos, podem ter propriedades magnéticas, e se apresentam em vários estados de oxidação. No caso do ferro, além do átomo de carga neutra (Fe0; o ferro metálico usado por exemplo na construção civil), ele pode se apresentar com as cargas +2 (Fe2+; íon ferroso) ou +3 (Fe3+; íon férrico). Sais ferrosos normalmente são esverdeados, enquanto que sais férricos são amarelados.

 

 

 

 

 

Abundância do ferro na natureza

 

 

Dentre os metais de transição, o ferro é o mais abundante na crosta terrestre, encontrando-se na proporção aproximada de 5,5%. Para se ter uma ideia, o titânio, o segundo metal de transição mais abundante, está presente na proporção de 0,44 %, e o cobre, outro elemento metálico importante para os organismos vivos, está presente na proporção apenas de 0,01%. Tal abundância do ferro em relação aos demais metais de transição encontra paralelos na composição do sistema solar e do Universo como um todo. Isso acontece porque o ferro é o elemento químico mais pesado que pode ser produzido nas “fornalhas” estelares durante o processo chamado de nucleossíntese – uma cascata de reações de fusão nuclear onde prótons e nêutrons se combinam para se converterem nos átomos, e esses átomos por sua vez vão se combinando em outros cada vez mais pesados. Elementos mais pesados que o ferro não podem ser produzidos pelos processos nucleares normais das estrelas, necessitando de energia extra que vêm da explosão de supernovas.

 

 

Leia mais

 
 “Sideróforos: uma resposta dos microrganismos" (artigo publicado na revista Química Nova:https://www.scielo.br/pdf/qn/v25n6b/13131.pdf)
 
“Genética das doenças hematológicas: as hemoglobinopatias hereditárias” (artigo publicado no Jornal de Pediatria: https://www.scielo.br/pdf/jped/v84n4s0/v84n4s0a07.pdf)
 
 
Metabolismo do ferro: uma revisão sobre os principais mecanismos envolvidos em sua homeostase” (publicado na Revista Brasileira de Hematologia e Hematoterapia:https://www.scielo.br/pdf/rbhh/v30n5/v30n5a12.pdf)
 
“Ferro e neurodegeneração” (publicado na revista Scientia Medica )
 
 

 
 

Quadro de conceitos

 

 

Anemia - Doença caracterizada pela diminuição da quantidade de hemoglobina do sangue.

 
Anemia ferropriva - Doença causada pela diminuição da quantidade de hemoglobina do sangue, decorrente da baixa ingestão (ou assimilação) de ferro.
 
Hemocromatose hereditária - Anomalia genética que leva à absorção excessiva de ferro.
 
Íon - Espécie química com carga elétrica. Pode ser um cátion (se tiver carga positiva) ou um ânion (se tiver carga negativa). 
 
Quelante - Molécula ou íon que forma compostos solúveis e estáveis com íons metálicos. O quelante tem vários pontos de ligação com o metal.
 
Terapia de quelação - Tratamento baseado no uso de quelantes para a remoção do excesso de metais do organismo. 

 

 

 

Breno Pannia Espósito
Instituto de Química
Universidade de São Paulo
breno@iq.usp.br
https://www.iq.usp.br/breno/

Abril 2011

 

 

Leia mais sobre quelantes no artigo O chumbo e a saúde humana: agentes para desintoxicação.


A ENERGIA NUCLEAR E OS SEUS RISCOS


 

Em 11 de março de 2011 um grave acidente natural atingiu o Japão: um terremoto de nível 8,9 na escala Richter, seguido de tsunami, uma onda gigantesca com mais de 10 m de altura, que varreu parte considerável da costa nordeste do país.

 

 

 

Nessa região estão instaladas várias centrais nucleares, que fornecem energia elétrica aos japoneses. Duas dessas centrais, Fukushima 1 e Fukushima 2, estão localizadas próximas ao epicentro do terremoto e, em virtude de ambos os acidentes, tiveram seus reatores seriamente danificados. Os reatores 1, 2, 3 e 4 de Fukushima 1 foram destruídos parcialmente. Com a interrupção do fornecimento de energia, os sistemas de resfriamento desses reatores deixaram de funcionar. Diversas explosões devido à formação de gás hidrogênio, decorrente do descontrole das reações em curso no interior dos reatores, aconteceram ao longo dos dias, liberando uma quantidade de radiação muito acima do aceitável à preservação da vida humana ou animal. Os níveis de radioatividade nas proximidades da usina atingida subiram a valores alarmantes com variações ao longo do tempo. Grandes quantidades de água contaminada, contendo material radioativo dissolvido, vazaram para o mar e gases radioativos dissiparam-se para a atmosfera. A difusão desse material pelo vento elevou os níveis de radioatividade medidos na Europa e até no Canadá, embora em níveis ainda não prejudiciais à saúde daquelas populações. No Japão, quantidades de radiação acima do aceitável também foram detectadas em peixes, principal componente da dieta japonesa. Estas informações, difundidas por todos os meios de comunicação, alertaram a população mundial sobre os riscos nucleares em nosso planeta e alguns países europeus já estão revendo seus planos de uso de energia nuclear.

 

 

 

Para entender o que aconteceu e ainda está acontecendo são necessários alguns conhecimentos de Ciência, especialmente de Química.

 

 

 

 

 

 

 

Energia nuclear

 

 

 

É a energia liberada dos núcleos atômicos, quando eles estão em condições instáveis. Todos os núcleos de átomos com 84 ou mais prótons são radioativos e ganham estabilidade através de reações de desintegração, formando núcleos mais estáveis. A energia nuclear constitui atualmente uma alternativa energética para muitos países, notadamente França, Alemanha, Estados Unidos, Rússia e Japão. No Brasil temos duas usinas localizadas em Angra dos Reis, no litoral do Rio de Janeiro, e duas outras, Angra 3 e 4, estão em construção.

 

 

 

Embora sejam construídas com alto nível de segurança, para evitar vazamento de radiação, centrais nucleares ainda apresentam riscos, especialmente quando desastres naturais como terremoto seguido de tsunami ocorrem na região em que estão instaladas. Em geral estas usinas são construídas próximas ao oceano ou a grandes áreas desérticas, por razões de mais segurança no caso de vazamentos de radioatividade.

 

 

 

Radiação é a emissão e a propagação da energia através da matéria ou do espaço, por meio de perturbações eletromagnéticas que apresentam duplo comportamento, como onda e como partículas. Radioatividade é a radiação ionizante, descoberta por Henri Becquerel em 1896 e extensivamente estudada pelo casal Pierre e Marie Curie. É a energia emitida por núcleos atômicos em reações nucleares. Podem ocorrer radiações de três tipos: alfa, beta e gama, além da emissão de nêutrons. Esses vários tipos de radiação têm propriedades diferentes em relação à sua capacidade de penetrar em tecidos biológicos, conforme mostrado na Tabela 1.

 

 

 

 

 

 

 

                    Tabela 1 – Tipos de radiação liberada em reações nucleares 

 

 

 

 

     * massa relativa à massa do elétron (=1)
 
 
Vários elementos químicos, como rádio, urânio, tório, potássio, carbono e iodo, apresentam isótopos (átomos do mesmo elemento contendo diferentes números de nêutrons e, portanto, diferentes números de massa) que emitem radiação. São os chamados elementos radioativos. Diferentes materiais radioativos, baseados em elementos como estes e suas respectivas reações nucleares, são utilizados na agricultura, na indústria, em medicina (diagnósticos, radioterapia e instrumentos para radiografia), em pesquisas científicas e, principalmente, em engenharia, na produção de energia. Mas estes materiais também podem ser usados para fins bélicos, como é o caso da fabricação de bombas nucleares.
 
 
 
Unidades de radiação
 
Para medir o nível de radioatividade são utilizadas diversas unidades, que foram sendo introduzidas à medida que o conhecimento deste tipo de radiação e de suas conseqüências para os seres vivos foi aumentando. No início definia-se o nível de radioatividade pela energia liberada por grama de material radioativo. O Roentgen (rad) foi definido para emissão de raios X ou raios g, sendo igual a 1,00x10-5 J/g (joule/grama) do material. Outra unidade, o Gray (Gy), do Sistema Internacional (SI), corresponde à absorção de 1 joule de energia por kg de tecido. Portanto, 1 Gy = 100 rads.
 
Diferentes radiações provocam danos distintos a tecidos biológicos. Um rad de radiação alfa pode causar mais danos que a mesma quantidade de radiação beta. Para comparar os danos relativos provocados por diferentes radiações são usados fatores multiplicativos. O fator é denominado efetividade biológica relativa (EBR), sendo 1 para a radiação gama, 5 para a radiação beta e 10 para a radiação alfa. O resultado do produto da dose de radiação em rads pela EBR corresponde à dose efetiva de radiação em unidades rems.
 
                                Número de rems = (número de rads)(EBR)
 
A unidade SI para dosagem efetiva é o sievert (Sv), obtido pelo produto da EBR pela dose de radiação, em grays. Tem-se 1 sievert = 100 rem.
 
Já a unidade Curie (Ci) é definida em decaimentos por segundo. É utilizada, por exemplo, para avaliar o decaimento de níquel a cobre em detectores por captura de elétrons, de cromatógrafos a gás.
 
                          1 Curie (Ci) = 3,7x1010 decaimentos por segundo (dps)
 
 
 
Decaimento radioativo e
reações nucleares dentro de um reator
 
Vários elementos radioativos sofrem decaimento natural, como o urânio, que dá origem a diversos isótopos de outros elementos diferentes. A velocidade de decaimento radioativo é normalmente avaliada em termos de meia-vida, t 1/2 ou t correspondente ao tempo necessário para a concentração (ou quantidade) da amostra cair à metade.
 

 

 

 

 

 

 

 

O isótopo 238 do urânio decai naturalmente para o isótopo 234 de tório, liberando radiação alfa. O tório formado, por sua vez, decai ao protactínio-234, liberando simultaneamente radiação beta e assim por diante, num processo em cadeia, isto é, reações encadeadas, até formar um isótopo estável. Mas este processo global de decaimento natural do urânio-238 ao tório é extremamente lento, pois sua meia-vida é de 4,5 bilhões de ano.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
  
 
Na Tabela 2 tem-se todos os isótopos formados no decaimento do urânio-238 até chumbo-206, com os respectivos tempos de meia-vida.
 
 
  Tabela 2 – Tipos de radiação emitida e tempos de meia-vida de diferentes átomos radioativos.
 
 
Também são conhecidos isótopos radioativos naturais de elementos mais leves, com número atômico menor que 81, como hidrogênio, carbono, potássio e rênio. Seus tempos de meia-vida podem variar bastante também, de uma dezena a trilhões de anos.
 
Alguns dos radioisótopos naturais são muito úteis, como o trítio (H com 1 próton + 2 nêutrons no núcleo), utilizado para marcação isotópica em estudos de mecanismos de reações químicas ou o carbono-14, usado para marcação geológica ou determinação da idade de materiais arqueológicos e rochas fósseis. A reação de decaimento natural do carbono-14 é expressa pela equação química:
 
 
 
Por outro lado, reações nucleares também podem ser iniciadas pelo bombardeamento de núcleos pesados com feixes de nêutrons, ocasionando a fissão nuclear. Isto é o que ocorre num reator nuclear. Na fissão nuclear, a energia é liberada pela divisão do núcleo, formando outros elementos. O isótopo urânio-235 apresenta t1/2 de 710 milhões de anos. Entretanto, este isótopo pode sofrer fissão nuclear, quando bombardeado por um feixe de nêutrons resultando em urânio 236 que se desintegra em 141Ba (bário) e 92Kr (criptônio), liberando energia, conforme a Figura 2:
 
 
 
 
 
 
Figura 2 – Reação de fissão do urânio-235 pelo bombardeamento com nêutrons.
 
 
A fissão de 1 mol de urânio-235 libera 2 x 1010 kJ (ou 4,6 x 109 kcal) em forma de calor. Esse processo de fissão, iniciado pela absorção de um nêutron por um núcleo de urânio-235, também libera 3 nêutrons formando dois novos núcleos e provocando novas fissões nos núcleos de urânio-235, o que se constitui numa reação em cadeia, que leva à liberação continuada de energia nuclear.
 
Num reator nuclear as reações que ocorrem no núcleo de determinados átomos liberam quantidades enormes de energia, que são aproveitadas para gerar vapor de água, movimentar turbinas e assim fornecer energia elétrica. As reações que ocorrem num reator deste tipo são de fissão nuclear, isto é, núcleos de átomos grandes e pesados, como urânio (número atômico 92) e tório (número atômico 90) são submetidos a feixes de nêutrons e, como conseqüência, são fragmentados, gerando outros átomos menores, como bário-142 e criptônio-91. Trata-se, portanto, de uma reação em cadeia, com geração de diversos isótopos radioativos de diferentes átomos, até se chegar a um isótopo estável, com meia-vida elevada como, por exemplo, o chumbo-206. No processo global são gerados vários isótopos prejudiciais à saúde humana e ao meio ambiente, como césio e iodo. O iodo-131(t1/2 de 8 dias) forma-se logo nos primeiros dias da reação, enquanto o césio-137 (t1/2 de 30 anos) vai se acumulando após vários dias, meses e anos.
 
A energia nuclear também pode originar-se da fusão nuclear de núcleos mais leves, como os de hidrogênio para formar hélio (número atômico 2). A energia irradiada pelo sol deve-se a reações de fusão que ocorrem em seu interior. A cada minuto 36 bilhões de toneladas de hidrogênio são convertidas em hélio no sol. Porém, a tecnologia para aproveitar a energia gerada em reações de fusão ainda está longe do ideal, para ser usada ou considerada como alternativa energética.
 
 
 
Riscos à saúde e ao meio ambiente
 
A exposição mesmo por tempo curto em níveis elevados de radiação ionizante acarreta queimaduras sérias e náuseas em humanos, enquanto a exposição prolongada, mesmo em níveis baixos de radiação, também traz riscos à saúde, devido à possibilidade de mutação genética. Quando uma radiação incide num tecido biológico, as características químicas das moléculas destes tecidos podem ser alteradas, formando-se radicais intracelulares (os denominados radicais livres, que são moléculas ou íons contendo elétrons desemparelhados e, por isso, muito reativos) que, ou matam a célula, ou originam divisões celulares não controláveis. No primeiro caso, o organismo consegue eliminar e substituir as células mortas, mas no segundo caso geralmente ocorrem processos de formação de tumores malignos.
 
A partir de uma dose de 100 milisieverts cresce o risco de câncer para o ser humano. Uma pessoa exposta a uma dose de um sievert (1.000 milisieverts) ou mais é considerada vítima do "mal da radiação" e deve ser hospitalizada. No Universo estamos sujeitos a uma “radiação de fundo”, correspondente à radiação cósmica, de 200 mrem/ano ou 1 a 10 milisieverts/ano.
 
Ao ocorrer acidentes nucleares, procura-se minimizar os efeitos e os riscos inerentes a eles. A água de rios, lagos e do próprio oceano podem se contaminar com compostos radioativos dissolvidos. Material radioativo, volatilizado pelas altas temperaturas alcançadas, também podem contaminar o ar. Assim, no Japão, logo após o acidente com vazamento de radioatividade para o ambiente, foram administradas pastilhas de iodeto de sódio ou potássio aos japoneses das zonas de risco, para retirada do iodo radioativo (iodo-131). Esse isótopo se concentra na tireóide, onde é solúvel, e se deposita no sistema gastrointestinal, onde é insolúvel, causando hemorragias. Através da formação de íons I3-, muito mais solúveis em água que o iodo e, portanto, mais facilmente excretável, evita-se sua permanência e concentração no corpo humano:
 
 
 
 
 
 
 
Leitura adicional sugerida
 
1. T.L. Brown, H.E. LeMay Jr., B.E. Bursten, J.R. Burdge, Química, a Ciência Central, Pearson-Prentice Hall, São Paulo, 2005, 9a. ed., cap.21 – Química Nuclear, p.771-804.
 
2. J. C. Kotz e P. Treichel, Chemistry and Chemical Reactivity, cap. 24 - Nuclear Chemistry, p. 1088-1129.
 
 
 
Autora: Ana Maria da Costa Ferreira
Professora titular IQ-USP
 
 
Revisão: Prof. Antonio Carlos Massabni
Unesp-Araraquara